quarta-feira, 21 de maio de 2014

Neoísmo Faz Uso do Plágio como Método Artístico


Por Diego Assis
Surgido entre o final da década de 70 e início dos 80, influenciado pelo pensamento dos dadaístas, futuristas, Fluxus e da Internacional Situacionista –as principais vanguardas artísticas do século 20–, o neoísmo tem como uma de suas características mais marcantes o uso do plágio e dos chamados nomes múltiplos.
Afirmamos que o plágio é o verdadeiro método artístico moderno. O plágio é o crime artístico contra a propriedade. É roubo, e, na sociedade ocidental, o roubo é um ato político”, diz um dos manifestos do movimento, reciclando o “détournement” de Guy Debord.
Assim, um dos principais métodos dos artistas dessa corrente consiste em apropriar-se da própria história da arte para criar um significado novo para o que consideram um passado morto.
Entre os membros do neoísmo –ou suas identidades coletivas– incluem-se nomes como John Berndt, Luther Blissett, Monty Cantsin, tENTATIVELY cONVENIENCE e Karen Eliot, este último um dos mais conhecidos pseudônimos do próprio Stewart Home.
Músico, videomaker, romancista, jornalista, crítico e, inevitavelmente, artista, Stewart Home (ou Karen Eliot, Monty Cantsin, Luther Blissett, você escolhe) é um produto direto do punk inglês do final da década de 1970.
À idéia de que qualquer um poderia montar uma banda, máxima do “do it yourself” que reinava na época, Home adicionou a de que “qualquer um pode se tornar um artista”. “Basicamente, acho que se você convencer o poder cultural de que o que você faz é arte então aquilo se torna arte”, explica Home. “Havia duas formas de eu entrar: uma era bater na porta de uma galeria de arte comercial, participar de exposições e deixar os críticos escreverem sobre o meu trabalho, enquanto eu me concentrava em produzir objetos para vender. E a outra era escrever a minha própria história.”
Familiarizado com os textos da esquerda italiana e dos comunistas holandeses e alemães, decidiu “testar” a sua teoria promovendo um verdadeiro assalto à cultura dominante, tomando parte em um movimento que, em suas próprias palavras, era um “prefixo e um sufixo sem conteúdo”, o neoísmo. É preciso endurecer, mas sem perder a piada:
Queremos chegar a uma situação em que todos percebam todos os aspectos de sua humanidade, que são físicos, emocionais, intelectuais, e o humor não pode ser excluído. Uma revolução que não é divertida não será boa para mim nem para ninguém”.

Assim, por meio de sua revista “Smile”, ajudou a divulgar os manifestos neoístas, os festivais de apartamento, os festivais do plágio e, principalmente, a Greve da Arte, idéia que “roubou” deliberadamente do alemão Gustav Metzger e que sugeria aos artistas de Londres que parassem de produzir por um período de três anos, entre 1990 e 1993.
Ainda que o impacto tenha sido limitado –o próprio Home diz hoje que não acreditava que a paralisação fosse de fato ocorrer–, restaram como parte de sua “obra”, os próprios textos que criticavam ou defendiam sua proposta publicados em revistas underground da época.
Os escritos estão sendo publicados agora no Brasil pela editora Conrad, que, em 1999, já havia publicado seu livro mais famoso, “Assalto à Cultura”, um apanhado crítico sobre as principais vanguardas do século 20 que ajudaram a formatar o neoísmo.
A obra, que, com pouco mais de 15 mil exemplares vendidos na Inglaterra, é considerada o “best-seller” de Home, vem sendo usada como livro de cabeceira de diversos jovens artistas e ativistas antiglobalização. “Tem gente que me diz que algumas dissertações de mestrado, geralmente de alunos de arte, são verdadeiros plágios dos meus textos. Eles provavelmente têm coisas melhores a fazer do que se preocupar em escrever dissertações bobas”, relativiza.
Buceta”, seu romance mais recente, também será publicado pela editora Pressa, com tradução de Graziela Kunsch. O romance, construído a partir do plágio e da repetição de cenas de sexo, narra as desventuras do protagonista em busca das mil primeiras mulheres com quem teve relações.
Estas e uma dezena de outras reproduções de obras de Home podem ser vistas até a próxima quarta no 8º Cultura Inglesa Festival.
Duas palestras “1001 maneiras de reencenar a morte da vanguarda”, uma amanhã em São Paulo e outra na quarta-feira no Rio, também fazem parte do roteiro de Home pelo país.
Basicamente o que vou falar é sobre como usei esse conhecimento sobre vanguardas para me configurar como um artista, sem ter nunca passado por uma escola de arte”, conclui.
Nos anos 80, Londres foi invadida por manifestos pregando a destruição das instituições de arte sustentadas pelo capitalismo. Obra dos neoístas, grupo que atualiza o humor corrosivo das vanguardas dadaísta e surrealista para os tempos modernos.
De passagem por São Paulo para uma palestra sobre as “1.001 maneiras de reencenar a morte da vanguarda”, Stewart Home, 42, um dos expoentes daquele movimento, aceitou um convite da reportagem da Folha para um tour por marcos oficiais da arte paulistana. Capitalista por definição.
Não gosto disso. Parece que eles vão afundar na terra”, castigou Home ao ver o tradicionalíssimo “Monumento às Bandeiras”, de Victor Brecheret (1894-1955). Informado sobre as conotações nacionalistas e pré-modernistas da obra, enfatizou: “Está todo carregado de simbolismos, querendo passar uma mensagem heróica, mas é tão pesado que afunda tentando”.
Comunista –”não bolchevique!”– convicto, Home não engoliu as relações de poder sugeridas pelo monumento que, teoricamente, deveria exaltar a união entre nativos e colonizadores. “Os caras no cavalo enquanto os outros estão a pé empurrando o barco? Isso não funciona para mim.”
O tour continuou em direção à avenida Paulista, pólo financeiro da mais opulenta capital da América do Sul. Parada obrigatória: o Masp (Museu de Arte de São Paulo), projetado por Lina Bo Bardi (1914-1992) e fundado por Assis Chateaubriand, poderoso homem de mídia da fase de arrancada da locomotiva paulistana.
Percebe-se que os burgueses separam os melhores prédios para eles próprios”, alfinetou. Mas, ao contrário dos anteriores, este agradou aos ideais estéticos de nosso turista acidental: “Isso, sim, é modernismo. Você vê a elevação por meio das colunas. Gosto dessas colunas vermelhas e do fato de criar um espaço público embaixo”, disse referindo-se ao vão do prédio, que, aos finais de semana recebe centenas de pessoas em sua feira de antigüidades.
Enfim, um bom local para expor os seus trabalhos? “Sim. Não ligaria de transportar esse prédio inteiro para o centro de Londres para que eu pudesse morar dentro dele! Seria ótimo, não?”, riu.


Depois de horas de tortura intelectual para um legítimo neoísta (”A vida começa onde a história termina”, reza um de seus slogans), o passeio terminou em outro cartão-postal que, definitivamente, Home não vê problemas em escolher como lar: o edifício Copan, idealizado por um dos artistas brasileiros mais radicais defensores do comunismo, o arquiteto Oscar Niemeyer.
Fantástico! Essas curvas são ótimas. É assim que as pessoas deveriam viver nas grandes cidades. Quando se vive em um bloco de apartamentos, pode-se ter uma interação com os vizinhos que não acontece com quem mora em casas. Lindo, não é? Acho que todo prédio deveria ser feito assim.”
E São Paulo falou a sua língua.

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